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𝙳𝚊𝚗𝚒𝚎𝚕 𝙱. 𝚍𝚎 𝚂𝚒𝚚𝚞𝚎𝚒𝚛𝚊
“Ajuda-o seu destino de maneira /Que fez igual o effeito ao pensamento. “ (Os Lusíadas, IV, 46, 1–2)
Triolet: O contrário siamense
Foi difícil mas aletrei-me:
Que o vencedor nem sempre vence.
Que o gelado por vezes queime:
Foi difícil mas aletrei-me.
O contradito, ainda que teime,
Liba o contrário siamense.
Foi difícil mas aletrei-me:
Que o vencedor nem sempre vence.
Roundel: Ah, que fará o que chora?
Se os olhos já não fecham, sonolentos;
Se o corpo já cansado de dor treme;
Se a alma não encontra seus sustentos,
Ah, que fará o que chora?
Chafurda em pesadelos, e lá freme.
Como um saturno se demora em lentos,
Pejados andamentos, tudo preme.
É noite ainda... (e esses tais tormentos
Se estenderão na alma do que geme
Sob a luz, alvo de acorbertamentos),
Ah, que fará o que chora?
Quinteto: Calorão da porra
Ó dia calorento — e abafado! —,
Não sei mais o que faço pra refresco!
Estou todo suado, é tudo enfado.
É tudo esse desânimo safado.
Cansado estou: parado ou quando mexo.
Quintilha: Sombra
Uma sombra, de repente,
Cresceu e cobriu-me o peito,
E pensei não ter mais jeito.
Meu coração já não sente,
De toda luz eu suspeito.
O jabuti e o tolo
Um tolo exasperado, querendo tornar-se sábio, ouviu que tomar chá feito de língua de jabutim era expediente adequado. O jabuti, vendo-se cercado de um impostor malicioso, adiantou-se no falar:
—Amigo, que bom que estás aqui, assim podes me acudir. Queria muito conversar, mas minha língua aqui no casco eu perdi e a ela não consigo mais achar. Ponha aqui dentro a tua mão. Poderias me ajudar?
O tolo, enxergando a sua vez, precipitou-se em lançar a mão dentro do casco quelônio. O jabuti, mordeu e reteve a mão temerária até que o estulto pegasse no perpétuo sono.
Dom extraordinário
Era extraordinário seu dom de ver as coisas exatamente como jamais foram.
***
Tope dos tolos
Porque almejava parte naquele tope, onde se equilibram os tolos, encheu a boca e passou às citas de renomados idiotas.
***
Sorriso
Tentou salvar o mundo com um sorriso. Acabou banguela.
***
Compatrício
Dois vocábulos só, e não compreenderam palavra nenhuma. Reconheceram um estrangeiro no compatrício.
***
Maldito livro
Foi visto saindo furioso de sua casa, dizendo: — “Maldito livro! Nunca concorda comigo este maldito livro!” — Jogou um objeto no chão violentamente; voltou para o interior da casa batendo a porta atrás de si.
***
Sonhador
Foi encontrado morto em seu leito: despedaçado e esmagado sob seus próprios sonhos, que se acumularam sobre si — era apenas um sonhador.
Nota: coisinhas do passado, recém encontradas.
Tal como sala vazia,
Que coisa alguma a habitasse,
O meu coração jazia
Claustrófobo, inepto, triste.
Anulado no silêncio,
E já quase habituado
A sustentar, desde o início,
Apenas seu ar pesado.
Porém, passados os dias,
Como árida terra em água,
Bebo de alegrias pias;
Seca-se o poço de mágoa.
A ausência agora é presença.
Reto é o caminho da ponte
Que os pés, sob luz intensa,
Seguem. E nunca mais contes,
Coração, com os covardes,
Mendaces lados, que fogem
Cruzando os finais das tardes,
Qual loucos, morrendo à margem
Da Meia-noite. Silêncio,
Que eu ouço os passos de alguém:
Silentes, calmos e imensos,
Passos que já sei de quem.
Procurei mas fui achado:
Mistério a que não atinas.
E cá adentro o ar soprado
Acaricia as cortinas.
*Um poeminha antigo. Vai publicado aqui somente porque foi classificado num concurso literário.
Um campônio ante um juiz
RelevO: Dez/19, n. 4, a. 10
A Burrice e a Preguiça
O que em tudo me enguiça,
Paralisa-me o quengo
Dormitando-me insone —
Cada cabeça, um nome:
A Burrice e a Preguiça.
O baixo ventre no alto da cabeça
Falar em língua estrangeira
Quando nada mais resta
(Fiódor Dostoiévski, Os irmãos Karamázov, Livro VI, iii)
Saudade hipócrita
(Raul Pompeia, O Ateneu, i)
Brasil über alles
Não é mérito nenhum
Eu nascer brasileirinho.
Sendo ufano e coitadinho,
Todo dia é “sete-a-um”.
Palavrão
(Nelson Rodrigues, Hamlet nos bate a carteira.)
Um único livro
(Nelson Rodrigues, O óbvio ululante).